Cristal

A felicidade é frágil...

Sunday, September 24, 2006

Poesia seleccionada I


Florbela Espanca


A Vida

É vão o amor, o ódio ou o desdém;
Inútil o desejo e o sentimento…
Lançar um grande amor aos pés de alguém
O mesmo é que lançar flores ao vento!

Todos somos no mundo “Pedro Sem”,
Uma alegria é feita dum tormento,
Um riso é sempre um eco dum lamento,
Sabe-se lá um beijo de onde vem!

A mais nobre ilusão morre… desfaz-se…
Uma saudade morta em nós renasce
Que no mesmo momento é já perdida…

Amar-te a vida inteira eu não podia.
A gente esquece sempre o bem de um dia.
Que queres, meu Amor, se é isto a vida!...



Meu Amor

De ti somente um nome sei, Amor,
É pouco, é muito pouco e é bastante
Para que esta paixão doida e constante
Dia após dia cresça com vigor!

Como de um sonho vago e sem fervor
Nasce assim uma paixão tão inquietante!
Meu doido coração triste e amante
Como tu buscas o ideal na dor!

Isto era só quimera, fantasia,
Mágoa de sonho que se esvai num dia,
Perfume leve dum rosal do céu…

Paixão ardente, louca isto é agora,
Vulcão que vai crescendo hora por hora…
Ó meu amor, que imenso amor o meu!

(Para J)



Ser poeta

Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!

É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É dar cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!

É ter fome, é ter sede de infinito!
Por elmo, as manhas de oiro e de cetim…
E condensar o mundo num só grito!

E é amar-te, assim, perdidamente…
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E Dizê-lo cantando a toda a gente!


Amar!

Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: Aqui… além…
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente…
Amar! Amar! E não amar ninguém!

Recordar? Esquecer? Indiferente!...
Prender ou desprender? É mal? É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!

Há uma Primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!

E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder… pra me encontrar…



Gosto da poesia de Florbela Espanca. É uma poesia que transparece tristeza, mas também sonho e por vezes algum narcisismo. O eu poético, que na maior parte das vezes se confunde com a autora, uma vez que a maioria dos poemas são auto-biográficos, mostra uma constante procura de um amor pleno, que acaba por nunca encontrar…

0 Comments:

Post a Comment

<< Home